sábado, 16 de novembro de 2013

Saudade

Saudade

Saudade é solidão acompanhada,
é quando o amor ainda não foi embora,
mas o amado já...

Saudade é amar um passado que ainda não passou,
é recusar um presente que nos machuca,
é não ver o futuro que nos convida...

Saudade é sentir que existe o que não existe mais...

Saudade é o inferno dos que perderam,
é a dor dos que ficaram para trás,
é o gosto de morte na boca dos que continuam...

Só uma pessoa no mundo deseja sentir saudade:
aquela que nunca amou.

E esse é o maior dos sofrimentos:
não ter por quem sentir saudades,
passar pela vida e não viver.

O maior dos sofrimentos é nunca ter sofrido.

sexta-feira, 15 de novembro de 2013

memórias e sentimentos inacabados




 Saudade

prolongamento artificial do momento.
Lágrima que transborda do olhar
que escorre devagar
que teimosamente quer regressar
onde não pode mais voltar.

Apenas o que resta dentro do peito
quando o abraço não é mais possível.
Ilustração em sépia
de uma viagem sem tempo
à nossa história interior
Acompanhada de uma ausência sentida.
 eNd

domingo, 10 de novembro de 2013

SE ...



Se o luar agora transbordasse
Da lua cheia e num enleio
Sua luz branda me abraçasse
E me fechasse dentro do seio...

Se o sol magnânimo soltasse
Um fio quente do seu cabelo
E no segredo me enrolasse
Do seu dourado novelo...

Se um astro agora me arrebatasse
Na sua luz e de repente
A minha sombra se iluminasse
E caminhasse na minha frente ...

Natália Correia


(Poesia Completa, Dom Quixote, pág. 133/134)



Tardávamos diante das palavras ...

 
Tardávamos diante das palavras, como se os olhos
fossem cegar sobre as páginas que não acabávamos
de ler só para fazer durar o engano, o livro, o tempo
de todas as leituras. Guardávamos silêncio
 
à cabeceira. E cruzávamos de noite os dedos
à procura da luz que emanasse de um seio, da onda
do cabelo sobre a orelha, dos ombros, da cintura,
do começo dos lábios. Normalmente, achávamos apenas
a sombra da roupa na curva dos joelhos, a penumbra
entre os nossos corpos quietos e deitados.
 
É nas linhas das mãos que os deuses escrevem
os mais belos romances. Nas nossas, porém, somente
elaboraram um divertimento, um esboço, um rascunho,
nem sequer literatura.
 
 
Maria do Rosário Pedreira
(poesia reunida, Quetzal, pá.63)
 
 
 
 
 
 

Arte Poética - José Luis Peixoto


o poema não tem mais que o som do seu sentido, a letra p não é primeira letra da palavra poema, o poema é esculpido de sentidos e essa é a sua forma, poema não se lê poema, lê-se pão ou flor, lê-se erva fresca e os teus lábios, lê-se sorriso estendido em mil árvores ou céu de punhais, ameaça, lê-se medo e procura de cegos, lê-se mão de criança ou tu, mãe, que dormes e me fizeste nascer de ti para ser palavras que não se escrevem, lê-se país e mar e céu esquecido e memória, lê-se silêncio, sim, tantas vezes, poema lê-se silêncio, lugar que não se diz e que significa, silêncio do teu olhar de doce menina, silêncio ao domingo entre as conversas, silêncio depois de um beijo ou de uma flor desmedida, silêncio de ti, pai, que morreste em tudo para só existires nesse poema calado, quem o pode negar?, que escreves sempre e sempre, em segredo, dentro de mim e dentro de todos os que te sofrem. o poema não é esta caneta de tinta preta, não é esta voz, a letra p não é a primeira letra da palavra poema, o poema é quando eu podia dormir até tarde nas férias do verão e o sol entrava pela janela, o poema é onde eu fui feliz e onde eu morri tanto, o poema é quando eu não conhecia a palavra poema, quando eu não conhecia a letra p e comia torradas feitas no lume da cozinha do quintal, o poema é aqui, quando levanto o olhar do papel e deixo as minhas mãos tocarem-te, quando sei, sem rimas e sem metáforas, que te amo, o poema será quando as crianças e os pássaros se rebelarem e, até lá, irá sendo sempre e tudo. o poema sabe, o poema conhece-se e, a si próprio, nunca se chama poema, a si próprio, nunca se escreve com p, o poema dentro de si é perfume e é fumo, é um menino que corre num pomar para abraçar o seu pai, é a exaustão e a liberdade sentida, é tudo o que quero aprender se o que quero aprender é tudo, é o teu olhar e o que imagino dele, é solidão e arrependimento, não são bibliotecas a arder de versos contados porque isso são bibliotecas a arder de versos contados e não é o poema, não é a raiz de uma palavra que julgamos conhecer porque só podemos conhecer o que possuímos e não possuímos nada, não é um torrão de terra a cantar hinos e a estender muralhas entre os versos e o mundo, o poema não é a palavra poema porque a palavra poema é uma palavra, o poema é a carne salgada por dentro, é um olhar perdido na noite sobre os telhados na hora em que todos dormem, é a última lembrança de um afogado, é um pesadelo, uma angústia, esperança. o poema não tem estrófes, tem corpo, o poema não tem versos, tem sangue, o poema não se escreve com letras, escreve-se com grãos de areia e beijos, pétalas e momentos, gritos e incertezas, a letra p não é a primeira letra da palavra poema, a palavra poema existe para não ser escrita como eu existo para não ser escrito, para não ser entendido, nem sequer por mim próprio, ainda que o meu sentido esteja em todos os lugares onde sou, o poema sou eu, as minhas mãos nos teus cabelos, o poema é o meu rosto, que não vejo, e que existe porque me olhas, o poema é o teu rosto, eu, eu não sei escrever a palavra poema, eu, eu só sei escrever o seu sentido.

Fado cantado ...


quarta-feira, 6 de novembro de 2013

para avaliar do seu grau de solidão




Solidão não é a falta de gente para conversar, namorar, passear ou fazer sexo... Isto é carência. 
             Solidão não é o sentimento que experimentamos pela ausência de entes queridos que não podem mais voltar... Isto é saudade. 
             Solidão não é o retiro voluntário que a gente se impõe, às vezes, para realinhar os pensamentos... Isto é equilíbrio. 
             Solidão não é o claustro involuntário que o destino nos impõe compulsoriamente para que revejamos a nossa vida. .. Isto é um princípio da natureza. 
             Solidão não é o vazio de gente ao nosso lado... Isto é circunstância. 
             Solidão é muito mais do que isto. 
             
Solidão é quando nos perdemos de nós mesmos e procuramos em vão pela nossa alma....  
              Francisco  Buarque  de  Holanda