domingo, 10 de novembro de 2013

Tardávamos diante das palavras ...

 
Tardávamos diante das palavras, como se os olhos
fossem cegar sobre as páginas que não acabávamos
de ler só para fazer durar o engano, o livro, o tempo
de todas as leituras. Guardávamos silêncio
 
à cabeceira. E cruzávamos de noite os dedos
à procura da luz que emanasse de um seio, da onda
do cabelo sobre a orelha, dos ombros, da cintura,
do começo dos lábios. Normalmente, achávamos apenas
a sombra da roupa na curva dos joelhos, a penumbra
entre os nossos corpos quietos e deitados.
 
É nas linhas das mãos que os deuses escrevem
os mais belos romances. Nas nossas, porém, somente
elaboraram um divertimento, um esboço, um rascunho,
nem sequer literatura.
 
 
Maria do Rosário Pedreira
(poesia reunida, Quetzal, pá.63)
 
 
 
 
 
 

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