sexta-feira, 30 de abril de 2021

Eu, José, me confesso



O meu nome é José. Sou conservador do registo civil da cidade onde vivo, tal como foi o meu pai e o pai dele anteriormente. Tenho mulher e dois filhos adultos, que mal me conhecem. Quando virem isto, já terão lido muitas coisas sobre mim. Por isso quero explicar-me, para que saibam a verdade. As pessoas vão dizer que perdi a cabeça, que me fizeram uma lavagem ao cérebro, que não estou bem, que foi o ódio que me arrastou para as linhas tortas em que me encontro. Mas não é bem assim. Na vida não há só bons e maus. Nem na vida nem do outro lado dela, para onde todos caminhamos à distância de um averbamento e de onde ainda achamos poder comandar o que se passa nesta, ditando testamentos e últimas vontades. Até hoje fui apenas um homem de ego apagado, um escrevente público ao invés de escritor, num campo de batalha de certidões e laudos invariavelmente abandonado às 17 horas, com as mãos e a roupa manchadas de tinta. Escrevo, com a certeza de que os meus leitores e eu nunca nos encontraremos na mesma página.
Escrevo, na solidão e segurança do arquivo que guarda todas as vidas e mortes desta terra. Lido com vidas reais e não personagens vazios, registando-os, conferindo-lhes a autenticidade que anseiam, incapazes que são de a alcançar de outra forma. Professo a fé pública que me foi conferida, a única que conheço, que me dá acesso a segredos inconfessáveis que resumo em folhas timbradas, entrincheirado da prolixa realidade pela segurança das estantes cinzentas e da obsolescência administrativa. Lá fora, as vidas fora do papel assumem-se como borrões de tinta, feridos de nulidades, relatos hediondos, pejados de pormenores banais e mesquinhos que apenas servem para lhes retirar consistência.
Aqui, zelo tranquilamente por cada uma delas. Ordeno-as. Limpo-as de casamentos já expirados, altero-lhes o nome de acordo com o requerimento, averbo-lhes descendência, purgando todo e qualquer pormenor irrelevante. Mas hoje, escrevo pela última vez. Sobre a única vida que sobra, inalterada, neste registo. A minha. Esta é a minha história.
End

quarta-feira, 14 de abril de 2021

CerTTeiro

 Há um tempo para lembrar, um tempo para se fazer próximo e ser presente. O correio verde ajuda.


terça-feira, 13 de abril de 2021

E tu e eu o que é que fomos fazer?

 

"Many men go fishing all of their
lives without knowing that it
is not fish they are after."

Henry David Thoreau





                                                              Foto AC©2021

domingo, 11 de abril de 2021

quarta-feira, 7 de abril de 2021

Quarteto de costa(s)?

 E café na esplanada, máximo 4 lugares, mínimo 1,5 m entre cada espectador especado (ou não), atrevias-te?






Foto: AC©2021

quinta-feira, 1 de abril de 2021

Foi assim que tudo começou

Foi assim que tudo começou. Por estes dias perdi a caneta. Aquela com que escrevo faz um ano. Sem ela não me faço entender. Só com ela, a minha letra se decifra e revela em frases limpas e arrumadas. Nunca gostei de falar. Não é a mesma coisa. Quem me quer tem que me ler. Colei um aviso a anunciar recompensa. Até agora ninguém respondeu. No correio, só duas mensagens a estranhar o meu silêncio. E uma conta para pagar. E folhetos coloridos que não recolho. Dias antes de perder a caneta recebi o teu postal. Nele escreveste: "Espero que este postal te encontre. E isso basta." E bastou. Por estes dias, já basta que nos encontrem. Qualquer adjetivo ou complemento que lhe adicionemos se revela desnecessário. Mas agora perdi o fio dos dias e perdi a caneta. Ou o contrário. Procurei por todo o lado. Debaixo dos papéis, escondida nos códigos, dentro da cama, na gaveta dos talheres. Será que alguém a levou por engano? Por certo a devolvem. É uma esferográfica normal. Só a mim serve. Mas sem ela não te consigo responder. Desculpa. Logo que a encontre prometo resposta pronta em letra esmerada debruada a correio azul.
Eva Niceday